Parece que não, mas quando
eu espero entre os motores da estação
lembro de como até ali fui
e dos dias que nunca mais serão
E entre tantos passageiros, embaçados
os meus olhos procuram como olheiros
pares que digam o meu nome
e do destino sejam trapaceiros
Pois não é fútil a vida, quando passa
à procura de uma voz querida
que cante a saudade e a alegria
tanto na vinda quanto na ida
Mas hoje não, a única
voz que me chama é da estação
tantas vezes eu ali já fui
quantas mais ainda serão?
Guilherme Matos
O homem é um ser distorcido
que existe em ideia
antes do princípio
e se faz carne
antes do espírito
Na mansão enfavelados
homens de cérebros torcidos
encontram em outros, parecidos
pesadelos disfarçados
de beleza incandescente
tal gloriosa insapiência
torna ideia em ciência
inconsequente
Fora ao memorial
vítimas da chacina
homens cuja sina
foi manterem a moral
deformada mente à mente
pelo homem distorcido
eu espero pelo ungido
sou apenas um clemente
Como que enclausurados
homens de carne embrutecidos
entortados e convalescidos
a serem canibalizados
pelo inimigo indecente
com sua anuência
arranca da carne a essência
ascendente
Gólgota magistral
lugar de carnificina
e será muito fina
a lâmina final
então enfrente enfrente
o homem distorcido
na espera pelo ungido
Ele nunca está ausente
Guilherme Matos
Por um trecho, assombrado
como um filme rebobinando
o mesmo trecho, passado
onde ela está lamentando
Dia após dia a fotografia
o eterno riso molhado
pelo pranto que afia
a garra em seu coração apertado
Nunca se foi a presença
velhos hábitos fortes demais
a protegendo da crença
que não o veria jamais
Mas é da noite o fantasma
sádico em sua figura
embalando-a em miasma
antigo perfume de sua doçura
A ela somente a memória
não lhe é dado o esquecimento
Se da morte fugiu em glória
em vida encontrou o tormento
A cada sol que nasce
é mais um dia pela frente
em que ele não renasce
e ela é sobrevivente
Guilherme Matos
E ao soar a sineta da Virtude
os condenados acordaram
Mãos vazias e pálidas
por caminhos escuros
em noites cálidas
sem vento, amargadas
tateiam as frestas dos muros
Onde vivem os insetos
resquícios da sua alma
rastejam inquietos
os devoradores de fetos
arautos do trauma
Quando apanham o mundo
o mundo em si devorado
pelo grotesco vagabundo
tanto canalha imundo
da bondade sugado
E lançam-se ao chão
o homem é o que consome
e se lhe falta um “não”
e se rejeita o pão
só lhe resta a fome
A prisão bem o convinha
mas foi dito ser deus
reflexão já não tinha
só sobrou a rinha
de carne entre os seus
E quando chega o fim
e só um prevaleceu
você só sabe dizer “sim”
você sabe, enfim
que a sua liberdade morreu
Guilherme Matos