Hoje morreu um homem, e éramos todos os melhores

Éramos todos os melhores
com nossos jeitos e trejeitos
dançantes em luvas de couro
entre ricos e pobres
éramos todos os melhores

E para provar o nosso valor
resetado a cada novo dia
o duro treino nos percorria
em suor e alegria
eram os nossos três minutos de louvor

Com “BOXE!” começava e em “STOP!” terminava
eram as nossas únicas palavras
pois entre elas nos entendíamos
por rugidos e grunhidos e bufos de dor
a linguagem do corpo a compor mil épicos

A coisa que ninguém entende
é que você pode treinar até ir ao chão
e levar um olho roxo e um nariz que sangra
pois do chão se levanta e do sangue se cura
e o que fica é estar entre os melhores

Éramos todos os melhores e sempre tínhamos algo para melhorar
Mas galopante veio o cavaleiro da peste
nos atacou, nos dividiu, nos isolou
e levou um de nós

Hoje morreu um homem
um homem entre os melhores
e que estava sempre a melhorar

Um homem que via a luz funda dentro de si
e nadava como podia para alcançá-la
Um homem de riso fácil e disposição gentil
a qual dividia com todos
Um homem de grandes inseguranças e hesitações
que o pertubavam mas não o interrompiam
Um homem de tantas e tantas histórias
que já não podia distinguir as verdadeiras das inventadas
Um homem de coração tão grande
que foram precisos dois rounds para pará-lo

Um homem que lutava entre os melhores e lutava para melhorar
e lutava pelo seu lugar

Ao fim de cada treino o último soco
era sempre pela amizade e companheirismo
Não era um cumprimento oco, mas um compromisso
de um bom treino vivido e um melhor a ser apresentado
hoje seu treino chegou ao fim
e com punhos ao céu nós o cumprimentamos assim
pois se pendura as luvas o espírito perdura,
e esse nunca terá fim.

Hoje morreu um homem, e éramos todos os melhores
você sempre estará entre os melhores
Descanse em paz

Guilherme Matos